sábado, 1 de dezembro de 2018

A herança maldita de Byron

A influência de Byron se espalhou como verdadeira epidemia no Brasil, principalmente entre os estudantes da Faculdade de Direito, em São Paulo, o celeiro de onde saíam os maiores cérebros e boa parte da classe dirigente do país no século XIX.

Texto de Bira Câmara





Sem nenhum receio de sermos rotulados como moralistas, podemos afirmar que nenhuma personalidade da literatura universal exerceu uma influência tão duradoura e nefasta quanto Byron. Não está, aqui, em discussão a genialidade do bardo inglês; o problema é que entre a legião de seus seguidores pelo mundo afora, bem poucos conseguiram fazer mais do que simplesmente imitar o seu estilo de vida autodestrutivo. Nas palavras de Oliveira Ribeiro Neto, suas “extravagâncias, imitadas durante decênios pela mocidade, exterminaram gerações”.

No Brasil, em particular, exceção feita a Azevedo, Varella, Aureliano Lessa, Bernardo Guimarães, Francisco Otaviano, e alguns outros, a chamada “escola byroniana” pouco produziu de original. Mas em compensação, em termos de modo de vida, inspirou verdadeira legião de desajustados que arruinaram suas vidas sem produzir absolutamente nada.

Não era à toa que o imperador D. Pedro II nutria profunda antipatia pelo byronismo. Afinal de contas, como verdadeira epidemia, ele se espalhou principalmente entre os estudantes da Faculdade de Direito, em São Paulo, o celeiro de onde saíam os maiores cérebros e boa parte da classe dirigente do país.

Narcisista, mau-caráter, inescrupuloso — entre outros numerosos adjetivos —, Byron também nutria profundo desprezo pela humanidade, sentia prazer em arruinar reputações e desgraçar a vida de todos os que se aproximavam dele. Chegou ao extremo de manter uma relação incestuosa com a irmã que durou muitos anos e, depois de escandalizar Londres, destruir lares e reputações, começou suas peregrinações. Entediado, abandonou a Inglaterra e viajou pelo Oriente em busca de novos prazeres e sensações. Retornou à Inglaterra e depois de algum tempo decidiu isolar-se nos Alpes. Foi para a Grécia em busca da glória militar, para lutar pela libertação de um povo, e lá encontrou a morte sem alcançar a glória ou realizar seus sonhos. Antes de morrer, apareceu-lhe o fantasma de um monge que amaldiçoou sua estirpe.

Faculdade de São Francisco de São Paulo, por onde
passaram os maiores expoentes do byronismo

Não deixa de ser irônico que Byron, entediado com a paisagem de sua terra natal, com o fog, com o céu carrancudo, com seus velhos castelos mal assombrados, tenha buscado as terras ensolaradas do Oriente e da Grécia, enquanto seus discípulos no Brasil, deslocados na Pauliceia de ruelas perdidas no meio de casas de taipa, sonhassem com a paisagem londrina...

Cronologicamente, o primeiro byroniano a surgir no Brasil é Tibúrcio Craveiro, um português de nascimento e que morou três anos na Inglaterra. Veio morar no Rio de Janeiro em 1826, e foi professor de Retórica no — depois — colégio D. Pedro II.

Maníaco e epilético chegou ao exagero na imitação das excentricidades de seu ídolo. Em sua casa cercou-se de tudo o que se possa imaginar de macabro: caveiras, múmias e até o mármore negro do túmulo de um carrasco. Sua biblioteca era repleta de livros sobre enforcamentos e suicídios, e as paredes decoradas com esguichos de sangue...

Foi um grande disseminador de Byron no Brasil, através de sua tradução de Lara. Até no ódio à humanidade chegou a imitar seu mestre. Arruinou a vida de um jovem casal que se amava, envenenando criminosamente o espírito do marido até que este, enlouquecido de ciúmes, matou a mulher e suicidou-se em seguida.

Em 1845 o byronismo chegou ao apogeu em São Paulo, com a fundação da Sociedade Epicureia, criada unicamente para concretizar os sonhos de Byron e reproduzir seu modo de vida. Suas orgias e loucuras se tornaram lendárias e muitos estudantes que fizeram parte da sociedade jogaram fora suas vidas e alguns até morreram em decorrência de moléstias adquiridas devido à promiscuidade. Além da sífilis e da varíola, muitas prostitutas tinham lepra e escondiam suas chagas, valendo-se das ruas mal iluminadas.

Bernardo Guimarães
Os membros da Sociedade Epicureia, numa de suas noitadas, promoveram uma algazarra no cemitério da Consolação que acabou tragicamente com a morte de uma infeliz prostituta, chamada Eufrásia. Tiveram a ideia de coroá-la Rainha dos Mortos e, para isso, desenterraram uma velha e a despojaram de seu caixão; em seguida, foram até a casa da prostituta, no caminho invadiram uma loja maçônica, roubaram vestes e paramentos, e um dos estudantes apresentou-se para Eufrásia fantasiado. A mulher desmaiou e foi carregada dentro do caixão até o cemitério. Só quando foram despertá-la descobriram que a coitada morrera de susto..

Álvares de Azevedo, Bernardo Guimarães e Aureliano Lessa pertenceram a essa sociedade. Dentre eles, Bernardo era o mais extravagante: de tanto abusar do álcool, acabou comprometendo sua saúde e foi obrigado a parar de beber; seu médico receitou-lhe gotas de éter para acalmar as cólicas que sentia, mas o escritor ficou viciado no entorpecente e passou a tomá-lo em cálices...
Fagundes Varela

Fagundes Varella foi outro byroniano que se entregou ao alcoolismo e à vida boêmia. Sua existência trágica é sobejamente conhecida. Entre suas peculiaridades, ele se orgulhava de sua biblioteca, composta na verdade de uma vasta coleção de garrafas de vinhos estrangeiros e licores. Mas do que ele gostava mesmo era de uma boa caninha...

Se de fato Byron foi amaldiçoado no leito de morte, somos levados a crer que a maldição não ficou restrita à sua estirpe. A genialidade de sua obra o transcendeu e ela espalhou-se pelo mundo. Mas a maldição atingiu a todos aqueles que o idolatraram e tentaram seguir suas pegadas.

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